Dossiê: Escritas de si: autobiografia, autoficção, literatura de testemunho, cartas, diários, memórias em textos produzidos por escritores e escritoras latino americana
Palavras-chave:
Escrita de si, Autoficção, TestemunhoResumo
Philipe Lejeune (2008, p. 21), partindo do princípio de que o pronome pessoal “eu” remete ao enunciador da instância do discurso na qual está presente, faz sua análise do “eu” a partir de questões relativas à autobiografia. Mas o enunciador pode também ser designado por um nome (quer se trate de um substantivo comum, determinado de diferentes maneiras, ou de um nome próprio. Nesse sentido Todorov (apud Lejeune, 2008, p. 22) afirma que é no nome próprio que pessoa e discurso se articulam, antes de se articularem na primeira pessoa, como demonstra a ordem de aquisição da linguagem pela criança. A fala de si mesma na terceira pessoa, chamando-se pelo próprio nome, ocorre bem antes de compreender que também pode utilizar a primeira pessoa. Em seguida, todos utilizam “eu” para falar de si, mas esse “eu”, para cada um, remeterá a um nome único que poderá, a qualquer momento, ser enunciado. Todas as identificações (fáceis, difíceis ou indeterminadas) acabam fatalmente convertendo a primeira pessoa em um nome próprio. Para Lejeune (2008, p. 23), um autor não é uma pessoa. É uma pessoa que escreve e publica. Inscrito, a um só tempo, no texto e no extratexto, ele é a linha de contato entre eles. O autor se define como sendo simultaneamente uma pessoa real, socialmente responsável, e produtor de um discurso. Para o leitor, que não conhece a pessoa real, embora creia em sua existência, o autor se define como a pessoa capaz de produzir aquele discurso e imaginá-lo, então, “a partir do que ele produz. [...] se a autobiografia é um primeiro livro, seu autor é consequentemente um desconhecido, mesmo se o que conta é sua própria história, falta-lhe, aos olhos do leitor, esse signo de realidade que é a produção anterior de outros textos (não autobiográficos), indispensáveis ao que Lejeune chama de “espaço autobiográfico”. Autoficção, termo utilizado contemporaneamente para se referir à autobiografia ficcional, teve como precursor Doubrovsky (1977) em seu romance Fils. A noção de autoficção, de acordo com esse autor, difere da teoria proposta por Lejeune (2005) na medida em que um autor pode optar por contar sua vida em 1ª ou 3ª pessoa, utilizando os elementos ficcionais a serviço de uma busca pela autoficção. No que diz respeito à literatura de testemunho, o estudo memorialístico é importante porque apresenta diversas partes da obra em que personagens rememoram as experiências traumáticas vividas individual ou coletivamente. Essa presença, no texto literário, revela personagens angustiados com a situação desumana a qual foram submetidos; podem caracterizar lembranças do convívio familiar, que retornam à mente do narrador. A memória coletiva é formada por lembranças dos indivíduos, ou seja, de vários grupos dos quais eles fazem parte. Paul Ricoeur (2007) chama a atenção para o fato de a memória e a história estarem juntas, ainda que de modo conflitivo. A contribuição de Seligmann-Silva (2003), Halbwachs (2006) e de Candido (2006), considerando que todos os acontecimentos e narrativas se passam no convívio em sociedade, viabilizará reflexão e entendimento sobre as narrativas de si escritas por mulheres em todas as épocas. Assim sendo, este dossiê pretende contribuir para a reflexão da história, da memória, das literaturas de si, recebendo propostas de trabalhos que debatam a escrita de mulheres na América Latina.